CARNAVAL

Por Guga Stroeter

A revista virtual no.com pediu um artigo sobre o carnaval. Guga Stroeter estava no Caribe, no carnaval de Trinidad Tobago, quando escreveu esse texto.

Não pesquisei as origens dos festejos de carnaval no Brasil. Em Trinidad Tobago e outras ilhas do Caribe, sabe-se que a grande farra anual é uma herança da tradição francesa. Talvez este componente esteja, de fato, presente na nossa cultura, pois na chegada da corte de Dom João VI ao Rio de Janeiro, no início do século XIX, os bailes e maneirismos de salão obedeciam o estilo de Versailles. Não é à toa que os comandos de nossa quadrilha junina mais caipira são "en avant!", "en arrière!" e "balancez!". Mas passemos das especulações aos fatos: o carnaval tornou-se internacionalmente um sinônimo do caráter brasileiro, em função do escoamento e do extravazamento de todas as formas imagináveis de sexualidade, com ênfase evidente em comportamentos, que nos outros 362 dias do ano significariam a objetivação de perversões abjetas. Não é fácil desprezar o carnaval, por isso temos que optar por buscar refúgio num reino mágico e improvável de contos de fadas, onde não existe televisão, ou então cair no balacobaco em busca de emoções fortes. Mas a verdade tem que ser dita: nem toda a excitação que transborda da telinha é autêntica. Um bom exemplo vale para os otários que, como eu, sonharam com uma apoteose pessoal desfilando na avenida, defendendo a bandeira de uma escola e gastando uma grana com a fantasia. A minha avaliação é simples: os ensaios são verdadeiras festas, e o desfile não passa de uma mentira. Nos ensaios, você convive com a comunidade que freqüenta a escola, pode fazer bons amigos, e imbuir-se temporariamente do sentimento tribal que será avaliado pela comissão julgadora na ocasião da parada. Mas a grande emoção é estar sempre perto da bateria, pois dentro de uma quadra de ensaio o poder da percussão, ao mesmo tempo vigorosa e sofisticada, é catártica, irresistível. No dia do desfile, no entanto, tudo muda. Na concentração, ou seja, onde a escola se reúne antes de começar o desfile, os sentimentos predominantes variam do torpor à preocupação, sem passar pela alegria essencial a um estado psicológico de festa. Metade dos integrantes está visivelmente incomodado, pois o chapéu cai da cabeça e o material fajuto da fantasia é impróprio para a locomoção. Impera o medo de perder pontos, e os carros alegóricos não devem falhar... A outra metade dos integrantes da escola está completamente bêbada. A pinga corre solta, em garrafas, copos descartáveis e mamadeiras. A frase mais repetida, "nós vamos brilhar na avenida", soa como: "dóisbâmubilháánaveníí"... Quando o desfile começa é que a decepção se cristaliza, pois a bateria está muito longe e só passamos ao lado dela rapidamente. O que ouvimos, na verdade, é o som dos chinelos raspando no chão, e uma melodia desafinada, desencontrada e de qualidade duvidosa, pois a escolha do samba-enredo vencedor já foi uma grande armação dos bicheiros e figurinhas carimbadas do pedaço (já desfilei cantando uma ode constrangedora ao polêmico empresário da noite carioca Chico Recarey!). Sem a pressão da percussão é impossível sambar, e mesmo os melhores passistas dos ensaios limitam-se a levantar os braços em uma mímica alienada da animação. Se você desfilar rápido demais, perde ponto; se atrasar, também. Por isso, existem uns brutamontes bravos e mau-educados que te xingam e enxotam pela passarela, berrando: "Vai pra frente, filho-da-mãe!", "Canta o samba, sua vaca!". Na verdade o desfile não cansa, é muito rápido; somos todos instruídos a mostrar euforia ainda maior quando passamos em frente à câmara da Globo, e quando você menos espera, o desfile terminou. Então, você está num lugar apropriadamente denominado de "dispersão". Todos os foliões têm que sair dalí, cada um vai para um lado, e mesmo que se procure muito, não existe a confraternização. O desfile acabou, e garanto que ninguém se acabou na avenida. Venceu o tédio e eu não extravasei minha libido represada. Mas todos dirão para os amigos que foi uma das grandes emoções de suas vidas. Por isso não acredito em alguém que comprou a fantasia na Internet, e diz que se divertiu caindo de pára-quedas no maior espetáculo da terra, sem ter optado deliberadamente por algum agente químico alterador do estado de consciência. Muito menos os artistas de novela, que saem nos carros alegóricos: eles só querem aparecer na TV com menos roupa. Isso vale tanto para o Rio de Janeiro como para São Paulo.

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