Crítica do CD “De Tantos Amores”, de Gal Costa

Por Guga Stroeter

São Paulo, 03/08/01

Para: ISTO É Gente

A cultura brasileira, entre síncopes e solavancos, precisou de quase quinhentos anos para gestar uma geração de artistas brilhantes com engenhosa habilidade em forjar nas mesmas canções elementos da cultura de massa, da poesia mais elaborada, e de uma liberdade estética irreverente da contestação e da crítica social.

A carreira da turma da Tropicália é um dado fundamental para a análise do cosmopolitismo inteligente que consagrou o país internacionalmente como um foco de musicalidade. Esses mesmos quinhentos anos foram necessários para a expressão de um rompante mínimo de bom senso, suficiente apenas para arranhar superficialmente a reputação e a arrogância de personagens do coronelismo medieval, como ocorreu nos escândalos que culminaram na renúncia de ACM. Quando esses extremos se aproximam, quando abraçam-se heróis e bandidos, a alma dramática brasileira grita.

Uma estranha sensação de desconforto e até mesmo ódio existe nesse momento, e nos botequins, alguns radicais bradam que foram enganados durante décadas, e que no fim das contas, toda uma obra de ampliação de horizontes formais não passou de uma enganação ardilosa, pois o favorecimento e o clientenismo teriam sustentado toda essa brincadeira, mesmo nos tempos da ditadura. Os ânimos estão acirrados e no meio cultural, existe inegavelmente uma decepção escandalosa.

No epicentro da ebulição dessa polêmica, Gal Costa lança o álbum “de tantos amores”, contendo treze canções românticas, a maior parte delas regravações de sucessos como “Que pena!” de Jorge Ben, “Folhetim” de Chico Buarque, “Força Estranha” de Caetano Veloso e “Índia” de José Flores e Manoel Guerrero. A sonoridade é cheia e delicada, e Wagner Tiso acertou muito bem a mão nos arranjos e na produção.

“De tantos amores” não é um manifesto criativo ou idiossincrático, mas é uma das mais cristalinas jóias já lapidadas para corações apaixonados, ou seja, para todos nós. Por isso, a confusão está instalada: Gal Costa, que ao lado de Elis Regina sempre foi uma das referências maiores da voz feminina da MPB, está vulnerável à repúdia dos sentimentais que nesse instante desconfiam das emoções profundas evocadas pela sua interpretação e afinação impecáveis. Tudo está absolutamente claro, os contendores nada podem esconder e as atitudes são escancaradas. Os desdobramentos de “de tantos amores” e das fotos de Gal com ACM ainda vão dar muito o que falar.

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