LEI DO SILÊNCIO

Por Guga Stroeter

Um vereador conservador aprovou uma lei na cidade de São Paulo obrigando o fechamento de bares às 23 horas. Para discutir essa lei polêmica, o jornal "A Folha de São Paulo" pediu a Guga Stroeter um pequeno artigo opinativo.

Quando optei por me profissionalizar como músico muitas vezes ouvi que "a vida noturna acaba com a saúde do cidadão". No entanto hoje verifico o contrário: em São Paulo existem restaurantes, floriculturas, supermercados, bancos que funcionam 24 horas; e podemos usufruir de todos esses serviços sem o estresse dos horários diurnos. A verdade é que São Paulo não cabe mais nas horas do dia, e que é incumbência da noite assimilar parte da vida da cidade. Na minha opinião esse polêmico decreto é um atentado a esse processo de evolução que a sociedade vem conquistando nos últimos anos, e atinge uma de nossas mais consagradas instituições: o botequim. O boteco aberto para a calçada é uma invenção engenhosa, pois cumpre as funções de mercado, restaurante, sala de estar; e essa condição de misturar-se à rua é um privilégio de nossa latitude tropical ( no inverno dos países temperados, todos são condenados a aglomerar-se em ambientes claustrofóbicos...). Nossa cidade é desprovida de praias e a maioria dos parques públicos está sucateada, tornando o boteco um dos poucos espaços de convívio social democrático. Obrigar que os bares fechem as portas à uma hora da madrugada significa que um monte de gente bacana vai ter que voltar pra casa para se entediar em frente à televisão. Pensar que o cidadão comum vai ter tempo e dinheiro para deslocar-se até as boates com tratamento acústico dos Jardins é hipocrisia. Penso que já existe legislação que coíbe o excesso de ruído e a baderna, e que a aplicação dessas normas seria mais eficiente do que proibir que pessoas trabalhem e convivam livremente em qualquer horário. O espírito romântico da noite traduz a alma boa de quem trabalha durante o dia, e esse espírito merece ser alimentado ao invés de reprimido! Essa lei inviabilizaria 80% da obra de Noel Rosa e se estivesse em vigor nos anos 50 impediria que Vinícius de Moraes abandonasse a diplomacia para ser nosso poeta maior.

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