MÚSICA

Por Guga Stroeter

texto para encarte de salsa ululante

Guga Stroeter cursava a pós-graduação de Jornalismo Cultural na Pontifícia Universidade de São Paulo quando escreveu essa pequena reflexão para a disciplina Semiótica da Cultura.

Para Schopenhauer a música é pura vontade, em Rilke a música é o hálito das estátuas. O poeta cubano José Marti define a música como a alma do povo.

Uma melodia.

Absorto em seu ofício de pintor, um senhor assobia um samba.

O ser humano gosta de música.

A invenção da roda, a conquista do controle sobre o fogo... mas a música é anterior à linguagem falada. Não existe quem afirme não gostar de música.

Porque aquela específica?

No cantarolar randômico, versos contém a chave de memórias e questões íntimas. A vida é uma trilha musical que evolui em espiral. Nutre-se de dramas. O pintor assobiava um estilo resultante de idiomas, alguns de origem africana, outros contendo o fado (a da invasão moura perdurou até o século XIV). Um samba foi composto por alguém que ouviu outrém, e na melodia assobiada estão a espada de Dom Afonso Henrique, a caravela de Cabral e a civilização Iorubá. Com poucos interlocutores, estamos em lugares distantes e épocas distintas.

Uma criança chora

No jornal de hoje uma criança chora, na guerra na Europa Oriental. Tempos de comunicação instantânea. Um fotógrafo cedeu o registro para uma agência de notícias; onde selecionam imagens e as enviam via satélite para a central que distribui para os periódicos do mundo. Então é escolhida por um editor para a impressão. A informação é filtrada por inúmeros interlocutores. Impessoalidades e distorções.

Outras crianças

Sou uma criança ouvindo uma canção de ninar sussurrada por meu avô, que por sua vez a ouviu na voz do tataravô. Estamos com alguém que nasceu na Europa por volta de 1830, período embebido de medievalismos. Entre eu e meu tataravô, entre o Brasil do século XXI e uma improvável aldeia alpina do início do século XIX temos um único interlocutor. Proximidade e intimidade, sem satélites e sem indústria. Mais um fator exponencial e chegamos ao homem das cavernas, grunhindo e batendo a clave no chão.

Para que evoluir?

Transformação e familiaridade. Quando a transformação abre mão de tempo e melodia, a música distancia-se das referências de familiaridade, da citação em abismo que compreende a dialética da epopéia humana. Corre-se o risco de perder o homem das cavernas. O pintor de paredes silencia. Por outro lado, a repetição de estruturas cristaliza a cultura que é, por natureza, dinâmica, mutante, canibal de si própria: devora-se para sobreviver. Clonando-se, a cultura perece

. Novo, não de novo

O recente substitui o anterior, mas isso não é qualitativo ou indicador de novidade. A criação essencial bem combina boas informações e a obra airosa atravessa tempos. Grandes músicos e músicas nascem em todas as épocas. Por vezes o mais recente apenas repete fórmulas. Na música popular, as matizes já estavam estabelecidas desde o século XVI. Tédio.

Neurológicas

A musicalidade ocupa região primitiva e vital do cérebro. A transformação estrutural no fazer musical tem conseqüências nos parâmetros do humano. Não ganha guerras e seu poder curativo prossegue desconhecido, mas demonstra que existem possibilidades inusitadas e graciosas de se organizar não só os sons, mas tudo. Pouco se sabe sobre a morte, mas a vida é ruidosa.

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