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GUGA STROETER & ORQUESTRA HB

CONCERTO ILUSTRADO - A MÚSICA BRASILEIRA DO SEC XIX A TROPICÁLIA

RELEASE

Nesse show/palestra, Guga Stroeter e orquestra HB intercalam interpretações de músicas dos distintos períodos da história do Brasil com projeção de fotos e palestra. O texto tem fundamentação na evolução política econômica, numa abordagem ao mesmo tempo dialética e voltada para a teoria da informação e da semiótica da cultura. Os arranjos contemplam desde os lundus e modinhas do séc XIX, passando por transcrições originais de Pelo telefone (1917), Pixinguinha, Noel Rosa, Ari Barroso, Lupcínio Rodrigues, Luiz Gonzaga, João Gilberto, Tom Jobim, Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Roberto Carlos; até chegar à síntese tropicalista de Caetano, Gil, Tom Zé, Mutantes, e os arranjos geniais do maestro Rogério Duprat. O show palestra foi concebido para acontecer em escolas de segundo grau e universidades, e funciona para interessados em música em geral.

ROTEIRO


INTRODUÇÃO

Nossa pequena palestra tem como tema a evolução da música brasileira do séc XIX à tropicália, mas é importante que fique claro que a escolha desse período é quase aleatória. Esse tema foi proposto a mim, Guga, num trabalho de graduação na universidade. Não há, na sua delimitação, qualquer saudosismo. Sem esse esclarecimento, pode parecer que nenhuma música boa foi feita depois desse período, e eu pessoalmente não penso assim. Acredito aliás, no contrário: hoje temos uma multiplicidade de formas de expressão interessantíssima.... mas isso deve ser tema de uma outra investigação.

Esse nosso encontro faz parte de um ciclo sobre os sentidos, e hoje estamos tratando da audição. Gosto de pensar a música nessa perspectiva sensorial mais simples pois é isso que sempre foi. Vivemos um apogeu neodarwiniano. Cada vez mais está comprovado de que nosso comportamento cultural é fundamental para subsistência da espécie. Somos seres de linguagem. Não pintamos quadros apenas porque são bonitos... na verdade, se nossa espécie não fizesse música provavelmente já estaria extinta.

Este é um trabalho que percorre aproximadamente 80 anos da história da música, suas idas e vindas, seus processos dialéticos.

A cada momento histórico distinto, o ouvinte é convidado a, por si só, formular-se alguns mesmos questionamentos.

-pois estaremos sempre investigando a noção “brasileiro versus estrangeiro”.

-na nossa pesquisa, sempre relacionaremos arte a períodos econômicos.

-cabe também pensar um pouco na teoria da informação de Moles.

Reproduziremos com parágrafos do livro “O balanço da bossa” de Augusto de Campos (1967), quando, com grande clareza os parâmetros para essa analise ficam colocados.

“A informação é função direta de sua imprevisibilidade, mas o receptor, o ouvinte, é um organismo que possui um conjunto de conhecimentos, formando o que se chama de ‘código’, geralmente de natureza probabilista, em relação à mensagem a ser recebida. É, pois, o conjunto de conhecimento a priori que determina, em grande parte, a previsibilidade global da mensagem. Assim, a mensagem transmite uma informação que é função inversa dos conhecimentos que o ouvinte possui sobre ela. O rendimento máximo da mensagem seria atingido se ela fosse perfeitamente original, totalmente imprevisível, isto é, se ela não obedecesse a nenhuma regra conhecida do ouvinte. Lamentavelmente, nessas condições, a densidade de informação ultrapassaria a ‘capacidade de apreensão’ do receptor. Nenhuma mensagem pode, portanto, transmitir uma ‘informação máxima’, ou seja, possuir uma originalidade perfeita, no sentido da teoria das probabilidades, e, mais precisamente ainda, a mensagem estética deve possuir uma certa ‘redundância’ (o inverso da “informação”) que a torne acessível ao ouvinte. Reciprocamente, a transmissão de elementos demasiados previsíveis é ‘banal’ aos ouvidos do receptor, que não encontra neles um coeficiente de variedade capaz de interessá-lo. Concluímos que, para que haja informação estética, deve haver sempre alguma ruptura com o código apriorístico do ouvinte, ou pelo menos, um alargamento imprevisto do repertório desse código.”

1.BATUQUE-OXAGUIAN

Nosso trabalho começa por volta dos tempos da abolição da escravatura, quando, segundo o historiador Joel Rufino dos Santos, “o negro passou a ser dono do próprio corpo”

Iniciamos a apresentação com o canto para Oxalá Menino.
O tema do seminário está relacionado a história da música brasileira, e por isso é fundamental chamarmos a atenção para o óbvio: a música brasileira erigiu-se sobre diversas raízes, mas entre elas devemos enfatizar a polirritmia da tradição africana e o arcabouço do código harmônico ocidental que se desenvolveu na Europa..
Talvez por isso, por misturar o melhor de dois mundos, a música das Américas (do norte, central e do sul) é um dos fenômenos culturais mais interessantes do séc XX.
A cultura africana impregna-se na música, na maneira como nos movemos, na sensualidade brasileira, na maneira peculiar de jogar futebol.
A recente pesquisa genética e paleontológica comprovou que todos os seres humanos são descendentes de um pequeno grupo de Homo sapiens sapiens que migrou da África do Norte para o Oriente Médio, para depois espalhar-se por todo o planeta, há aproximadamente 150 mil anos. Somos, portanto, todos nós, sem exceção afros-descendentes. Quando tratamos os orixás não estamos nos restringindo à cultura negra mas sim à religião primordial, mais antiga, das relações mais essenciais de homem/natureza.

2-LUNDU- ENSABOA

A música popular brasileira que estamos pesquisando cristaliza-se concomitantemente com o processo de urbanização mais intensificado a partir da segunda metade do séc XIX. A música dos escravos negros era genericamente chamada de batuque. Além das diversas manifestações folclóricas dispersas, nas cidades, os principais gêneros da época eram a modinha, o choro e o lundu.
O lundu é uma dança de origem afro-negra trazida pelos escravos bantos da região de Angola e Congo. No séc XIX passa a ser aceito por todas as camadas sociais, aparece nos salões da aristocracia e no teatro, quer como gênero de canção solista ou como dança sensual. Vamos ouvir “Ensaboa”, um lundu recolhido pelo sambista Cartola, que afirma ter aprendido esta canção com a avó. Marisa Monte regravou esse tema no começo dos anos 90.

3-MODINHA

A modinha é uma canção lírica sentimental, um estilo genérico que se aplicava a árias, cantigas ou romances de salão. No final do séc XIX estabelece-se como gênero urbano, ganha as ruas, o relento, as noites enluaradas, sempre acompanhada por acordes de violão. Uma expressão derivada desse estilo é a toada, também romântica e lírica, geralmente de estrofe e refrão que trata do amor, sobretudo na toada cabocla.
Vamos cantar "Luar do sertão”, uma toada de Catulo da Paixão Cearense (1866-1946), o mais notório modista do período.


4-CHORO- URUBÚ MALANDRO

Além do Lundu e da Modinha, no Rio de Janeiro, no final do séc XIX, a música instrumental era o choro. A instrumentação básica era o violão, a flauta e o cavaquinho. Posteriormente, foram introduzidos o piano e o pandeiro de samba. Os chorões eram quase todos oriundos da classe média baixa do período, funcionários públicos, militares, pequenos comerciantes. Vamos ouvir “Urubu Malandro”(1923) de Pixinguinha. Seu grupo, os Oito Batutas, foi um dos primeiros conjuntos brasileiros a viajar para Europa e receber algum reconhecimento. Pixinguinha foi um dos grandes engenheiros da música brasileira, tanto como flautista, compositor e arranjador. Mas também não escapou da fúria nacionalista dos seus contemporâneos por seu flerte como jazz norte americano.


5-SAMBA- PELO TELEFONE

No começo do séc XX, no Rio de Janeiro organiza-se a síntese a partir desses ingredientes efervescentes do sec XIX: os batuques, o lundu, a modinha e o choro contribuem para a formação do samba. Criado por negros cariocas, muitos deles filhos e netos de escravos baianos, o samba acontece ao mesmo tempo em que o Brasil começa a unificar-se pelos primeiros veículos de comunicação de massa. Agora a música pode ser registrada e reproduzida em gramofones e a radiodifusão está se instalando como a grande novidade tecnológica. A primeira rádio aparece no Rio de Janeiro, em 1923 e passa a transmitir para o Brasil todo após 1930.

Um fator fundamental para o fortalecimento de um gênero musical, foi o caráter centralizador e nacionalista da ditadura Vargas, iniciada em 1930. O Brasil das oligarquias das capitanias hereditárias, do monopólio do poder pelas famílias cafeeiras primavam por regionalismos. O samba no estilo carioca passa a ser a música nacional do Brasil, relegando os outros estilos a tornarem-se gêneros regionais.
Vamos ouvir “Pelo telefone”, o primeiro samba maxixe gravado na historia da música brasileira. Composto por Donga e Mauro de Almeida em 1917. Já temos aqui elementos de paródia e humor, a instrumentação “amaxixada” nos remete às bandas de coreto, que evoluíram da fanfarra militar para as sociedades líricas presentes até hoje em muitas cidades do interior.

“Pelo telefone” é uma música também “impura”: leva o rótulo de samba mas não é bem samba, é assinada por autores mas também tem versos que são refrões de cantos de rua... cabe a cada um de nós analisar se a dita pureza existe ou não.

6-CARNAVAL- PIERROT APAIXONADO

No carnaval do Rio de Janeiro, até os anos 20, não se dançava o samba, mas os conjuntos, bandas e orquestras tocavam de tudo: valsas, choros, polcas, lundus, e também música estrangeira. O samba cristaliza-se no final dos anos 20, a ditadura Vargas adota o samba, organiza as escolas e obriga que o enredo dos desfiles tratem da cultura e da história do Brasil. Os compositores profissionalizam-se e trabalham diretamente com as rádios, criando fundamentalmente dois estilos de canções: “os sambas de meio de ano” e “as marchinhas de carnaval. Para os bailes de salão são criadas marchinhas simples com refrões. A marcha não descende do samba , é muito menos africana. É uma evolução dos ritmos binários simples do período imperial, como a mazurca e o scotish. Vamos ouvir Pierrot Apaixonado, sucesso do carnaval de 1936, composto por Noel Rosa e Heitor dos Prazeres, em seu arranjo original. Vale a pena perceber o processo de carnavalização, tão característico da cultura brasileira, onde se invertem símbolos e valores. Em Pierrot Apaixonado, temos um refrão melancólico, que trata da desilusão amorosa dos personagens carnavalescos, herdados da Commedia Dell´arte italiana. No entanto, nos versos de Noel temos uma história vulgar de bebedeira, que se encerra com o Pierrot e o Arlechim tomando vermute e comendo amendoim.


7-HOLLYWOOD- S´WONDERFUL

Nossa investigação sobre a música brasileira do séc XX esbarra o tempo todo nas peculiaridades da expansão econômica, militar e cultural dos EUA. Entramos nos anos 40 verificando o auge do cinema como influência transformadora. O mercado do entretenimento a partir de Hollywood envolve cifras até então inimagináveis. Os musicais da Broadway dos anos 20 e 30 ganham versões cinematográficas. O ideário cristaliza o ineditismo do novo homem que surge nas Américas: urbano, desvinculado do peso da moral vitoriana e da herança da cultura estratificada das cortes decadentes da Europa. Este é o período áureo da canção: a competitividade trouxe para a música popular músicos com as mais distintas e rigorosas formações. A relação entre harmonia tonal que se desenrola e melodia sinuosa que navega sobre sua crista atinge um grau extremo de simplicidade e sofisticação.
Vamos ouvir ‘S Wonderful canção composta por George e Ira Gershwin em 1928, para o musical “Um americano em Paris”, sucesso no cinema em 1951, tendo como protagonista Gene Kelly.

8-ARI BARROSO- QUINDINS DE IAIÁ

O final da Segunda Guerra Mundial marca o fim do ciclo da França e Inglaterra como grandes impérios coloniais, e a expansão da influência norte americana. O governo norte americano traça, para a América do Sul, uma política de boa vizinhança, temendo o crescimento do socialismo. Como exemplo do braço cultural dessa política, temos o filme/desenho animado de Walt Disney “Você já foi à Bahia?”. No enredo, o ianque Pato Donald vem conhecer o Brasil a convite do personagem recém criado, Zé Carioca. Numa cena, hoje clássica, Aurora Miranda (irmã de Carmem Miranda), no papel de Iaiá, dança nas ruas de Salvador e seduz o pato. A cena tem aquele ranço brega/Hollywood imperialista: Iaiá é um monstro alegórico com frutas na cabeça e balança os braços numa coreografia inexistente no Brasil.

O ritmo da canção é o maxixe.

9-PAU DE ARARA


Em 1946 acontece o sucesso dos baiões de Luiz Gonzaga. Pela primeira vez uma música tida como regional, de raízes nordestinas, é consumida por todas as classes sociais do país.

10- SAMBA CANÇÃO- VINGANÇA

Nos anos 50, o samba mistura-se ao bolero, e torna-se lânguido, sentimental, a temática recorrente é a depressão do amor perdido. Esse é o samba canção. Vamos ouvir o clássico da dor de cotovelo, “Vingança” – composta pelo gaúcho Lupcínio Rodrigues.

11- COOL JAZZ- BLUE IN GREEN

Nas artes dos EUA do pó- guerra, surge uma contra-cultura niilista, depressiva, na ressaca da destrutividade da guerra simbolizada pela bomba atômica. De maneira inédita, a sociedade constata a possibilidade concreta da autodestruição. O cartesianismo e o positivismo são questionados. Nos EUA brota a geração beatnik de Burroughs, Bukowsky, Kerouac.
Na Europa, difunde-se o existencialismo de Camus e a filosofia de Sartre. A expressão dos sentimentos no jazz reflete a nova realidade: a euforia da dança de períodos anteriores dá lugar a um estilo contido, econômico, mas de grande intensidade emocional. O trompete fanfarrão de Louis Armstrong é substituído pela economia introspectiva de Chet Baker e a surdina de Miles Davis. Na costa oeste dos EUA o jazz encontra-se com procedimentos de música erudita (arranjos e dinâmicas) incorporando o impressionismo de Debussy. Esgotam-se as articulações no campo tonal, a harmonia evolui para experimentações nas escalas modais, herança atribuída ao período clássico da cultura grega.


12- BOSSA NOVA- CHEGA DE SAUDADE

Augusto de Campos (1967)

“João Gilberto, com o seu canto enxuto, mais cool do que o cool americano, com seu sentido da pausa-silêncio e aquela batida seca de violão que marcou toda a BN, foi o Webern do movimento.”

A lição de João- desafinando o coro dos contentes do seu tempo- é o desafio aos códigos de convenções musicais e a colocação da musica popular nacional não em termos de matéria- bruta ou matéria-prima (“macumba para turistas” na expressão de Oswald de Andrade) mas como manifestação antropofágica, deglutidora e criadora da inteligência latino-americana.”

A música brasileira sofre sua mais radical transformação desde o princípio do século XX: a bossa nova. O padrão de economia na interpretação do cool jazz norte americano é aplicado ao samba. A batucada de escola de samba é sintetizada na batida minimalista do violão de João Gilberto. O canto da música popular brasileira, que evoluiu a partir do canto lírico, dos teatros sem microfones, da impostação dos programas de rádio, implodem. Surge o canto sussurrado, liso, sem vibrato. Tom Jobim traz a melodia romântica de Chopin para dentro da canção. O conflito dissonância versus consonância, assume papel principal no encadeamento de acordes. Surgem as quintas diminuídas, as sétimas aumentadas, as nonas diminuídas e aumentadas, o décimo primeiro grau alterado. Cria-se um novo pensamento composicional, e velhos sambas clássicos são reinterpretados agora nesse novo estilo.
A bossa nova significa também o apartheid social definitivo no Brasil/Rio de Janeiro. O Brasil se endivida com empréstimos para a industrialização (indústria siderúrgica e automobilística) e para infra-estrutura (construção da malha ferroviária, construção de Brasília). Dinheiro estrangeiro é injetado na economia, gerando uma bolha de consumo da nova burguesia e uma dívida externa que explode alguns anos mais tarde. Crescem as grandes cidades. São Paulo se industrializa caoticamente. Esta transformação é retratada na Saudosa Maloca de Adoniran Barbosa. Os bairros cariocas como Copacabana, Ipanema e Leblon que até então eram sítios distantes de veraneio, são verticalizados para abrigar a nova classe média alta. A especulação imobiliária expulsa o pobre da cidade (do asfalto) e ele migra para o morro. A bossa nova nasce nas salas de estar dos apartamentos, criada por músicos que admiram o jazz e a cultura norte americana. O negro é excluído do novo tipo de samba. A poesia se transforma, as lamúrias das dores sentimentais são suavizadas por imagens ligth, pelas curvas da paisagem carioca e pela beleza das novas musas da praia. Relativismos como “o barquinho vai, a tardinha cai”, substituem a dramaticidade. A bossa nova faz sucesso internacional e pela primeira vez na história um estilo brasileiro influencia de fato o jazz e a canção norte americana.

13- CANÇÃO DE PROTESTO- DISPARADA

Augusto de Campos (1967)

“a crise de nostalgia dos bons tempos pode ter servido para tonificar momentaneamente a abalada popularidade da nossa musica popular. A solução não poderia ser voltar para trás. A banda e a Disparada passariam e deixariam tudo no seu lugar, como estava...impossível fazer o novo com o velho, pois o novo ainda era Tom Jobim e João Gilberto.”

“...a discriminação proposta pelos nacionalistas só nos poderá fazer retornar a condição de fornecedores de ritmos exóticos, matéria prime musical para os paises estrangeiros.”

Mario de Andrade

“o artista que procura se expressar na arte universal corre o risco de se surpreender fazendo arte de outra nacionalidade que não a sua.”

Em 1964, o Golpe Militar instala a ditadura no Brasil. Com ela, a censura. Estudantes de classe média intelectualizada criam uma a canção de protesto. A temática social e engajada surge como contraposição à bossa nova. A música agora deve conter mensagens políticas. Instrumentos e ritmos do folclore passam a ser formas de resistência à invasão cultural norte americana, pois é sabido que os EUA estão patrocinando as ditaduras militares, em toda a América Latina. O conflito político e estético mobiliza grupos e tendências nas edições anuais do Festival da Canção. Vamos ouvir Disparada, sucesso de Geraldo Vandré, eternizado na voz de Jair Rodrigues.


14- IÊ-IÊ-IÊ- CALHAMBEQUE


Augusto de Campos (1967)

“A Jovem Guarda deslocou, momentaneamente, a disputa entre velha guarda e bossa nova, para um outro debate, entre a Jovem Guarda e a Música Popular Brasileira. Os nacionalóides que denegriam a bossa nova, como música de influência americana, urbana e cosmopolita, encontravam agora, perdida a primeira batalha, um prato muito mais suculento nos adeptos do iê-iê-iê, tradutores do ritmo totalmente desvinculados da tradição nacional.”


No começo dos anos 60 surgiu no Brasil a Jovem Guarda, inspirada no rock and roll norte americano dos anos 50. A estrutura harmônica e melódica é elementar, as letras são superficiais, tratam de assuntos relacionados à juventude de classe média: paqueras, carros e uma “rebeldia” adolescente de gírias e cabelos compridos. O movimento tem como protagonistas Roberto e Erasmo Carlos. A estética da Jovem Guarda é condenada pelos participantes do movimentos da MPB por ser poeticamente alienada (não trata das questões sociais e políticas emergenciais daquele período) e por ser uma repetição dos grupos americanos, sinônimo da aceitação da ideologia imperialista. O iê-iê-iê é visto pelos bossanovistas como musicalmente péssimo. O gênero, no entanto goza de grande popularidade.
Há, portanto, um conflito estético, ideológico triangular acentuado pela tendência dicotomizante daquela conjuntura: o contraste mais definidor residia no fato de estar contra ou a favor da ditadura militar. Havia pouco espaço para posições relativistas. Vamos ouvir agora “Quando” de Roberto Carlos.

15- WEBERN- KONZERT 24

“Webern é o limiar- disse Boulez
A esfinge, O justo- disse Stravinski
Webern é João Gilberto- disse Augusto de Campos”

Vamos fazer parênteses e tentar situar o Brasil no contexto de sua evolução dentro da historia de música de concerto. Após o impacto da obra moderna e nacionalista de Villa Lobos, surge, nos anos 50, uma geração de compositores contemporâneos brasileiros ligados esteticamente à escola de Viena dos anos 30. A partir do decafonismo de Schoemberg surgem as obras seriais de Berg e Webern. De alguma maneira, na linhagem Bach-Mozart-Beethoven-Bhrams-Wagner-Stravinsky, Webern é considerado uma referência. Sua obra pequena (cabe em dois ou três cds), prima pela economia: a colocação precisa das notas faz de cada timbre um evento essencial. Seu minimalismo dodecafônico é elegante e leva a composição atonal a seu ultimo limite. Sua criação foi interrompida bruscamente na ocasião de sua morte, baleado por engano por um soldado americano quando a segunda guerra mundial já havia sido oficialmente dada por encerrada (1945). Na música de concerto, os campos tonal e modal já haviam sido explorados à exaustão até o fim do séc XIX, o atonalismo dodecafônico já cumprira suas combinações. A questão dissonância x consonância parece esgotada. O próximo conflito dramático da música pode ser resumido numa dialética entre musica e ruído. John Cage surge como conceituador dessa nova ordem. No Brasil, mais particularmente em São Paulo surge o grupo de músicos que cria o manifesto da musica nova em 1965 trazendo todas essas questões para a musica e aproximando-se do modernismo oswaldiano e da poesia concreta. Alguns de seus principais criadores são Rogério Duprat, Cozzela, Julio Medaglia. Vamos ouvir agora uma adaptação de um breve concerto de Webern (Konzert 24) do ano de 1934. A instrumentação original de grupo de câmera foi adaptada para orquestra de jazz.

16- LUCY IN TEHE SKY WITH DIAMONDS

A carreira dos Beatles é um marco da cultura pop. O rock and roll aproxima-se da cultura como forma de resistência à guerra do Vietnã. Os Beatles são sucesso de venda mas não abrem mão de experimentações. Aproximam-se da música indiana, das orquestrações elisabetanas tradicionais e dos procedimentos contemporâneos eletrônicos de Stockhausen. O álbum Sgt Peppers torna-se referência para Gilberto Gil.

TROPICÁLIA


Augusto de Campos (1967)

“Na era eletrônica-forma numa aldeia global (Mc Luhan), pretender fazer de cada pais um santuário fechado, à prova de som, é um delírio regressivo, de antemão fracassado.”

Marx e Engels

“Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações desenvolve-se uma universal interdependência. As criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas.”

Liderado por Caetano Veloso e Gilberto Gil surge o movimento da Tropicália (1967/68). O nome Tropicália foi tomado emprestado de uma obra de Hélio Oiticica.
A Tropicália surge como alternativa criativa na resolução do conflito triangular bossa nova versus música engajada versus iê-iê-iê.
Os tropicalistas tem em comum uma admiração por João Gilberto. Caetano afirma que João “joga uma luz sobre o passado e futuro da música brasileira”.
OTropicalismo escandaliza a esquerda ao usar roupas hippies e instrumentos elétricos típicos da Jovem Guarda e ao se assumir como produto da sociedade de consumo.

A Tropicália traz pra dentro da música brasileira a poesia pop, repleta de ícones do cotidiano urbano, da publicidade.

A Tropicália usa de todas as formas da carnavalização, tratando como belo o que é de mau gosto, criticando as formas de poder autoritárias.

Ao convidar Julio Medaglia e Rogério Duprat, a Tropicália infiltra a música de concerto contemporânea erigida sobre Schoemberg, Webern e Jonh Cage na MPB.
Mesmo sem um pré conhecimento teórico, a Tropicália é um fenômeno oswaldiano antropofágico: liquidifica informações de todas a s origens, não preocupa-se em preservar o purismo folclorista.

A Tropicália ata-se intuitivamente à poesia concreta, tanto por sua afinidade poética quanto pela opção pelos arranjadores contemporâneos. Há, portanto, um vínculo direto, um reavivamento do ideário modernista de 1922.

O Tropicalismo é, portanto, uma visão crítica da cultura brasileira como um todo.

17- CORAÇÃO MATERNO


Esta canção original, do repertório de Vicente Celestino nos anos 50, é tida como uma das peças mais ridículas da história da MPB: a letra melodramática, sangrenta e de mau gosto tornou-se famosa no campo operístico esteriotipado de Vicente Celestino. Caetano Veloso a interpreta com seriedade e beleza, o arranjo de Rogério Duprat é baseado em suas experimentações anteriores para violoncelo solo.


18- BATMACUMBA-

“BATMACUMBA é a única música que, nos três discos tropicalistas, realiza a proposta concreto-antropofágica, de modo intencional. Realiza uma superposição dos códigos verbal, sonoro e visual, com referências culturais sincréticas: Batman (os quadrinhos, e por extensão a indústria cultural); macumba (elemento cultural brasileiro); iêiêiê (música jovem, proveniente do rock). Visualmente, o texto apresenta o procedimento de contração e expansão vocabular da poesia concreta com rompimento da sintaxe e da semântica lineares A figura que resulta é um grande ‘K’ , que corresponde ao som-fonema que repercute em toda a música. É somente a partir do arranjo que se percebe o sincretismo cultural , em forma de devoração antropofágica.

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19- PARQUE INDUSTRIAL-

Parque Industrial é uma colagem tropicalista: cita o ufanismo brasileiro característico do nacionalismo exacerbado e salta abruptamente para imagens da publicidade da sociedade de consumo americanizada. No arranjo acontece de tudo: ruídos, sons de bandinhas de coreto na tradição do dobrado militar, do maxixe e das marchas carnavalescas, citações do hino nacional e guitarras elétricas.

 

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