UMA ÁRVORE GENEALÓGICA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

 

 

 

Esta publicação é um kit que inclui um livro e um pôster, resultantes da pesquisa de Elisa Mori e Guga Stroeter. O livro contém uma coletânea de artigos sobre os diferentes estilos e períodos da música brasileira escritos por músicos.

 

Alguns dos artigos e respectivos articulistas:

 

MÚSICA ELETRÔNICA (autor: Kassin )

ROCK (Marcelo Nova)

HIP HOP (autor: André Alves e Cleverson Carlos)

NOVA MPB e REGIONALISMOS (autor: Chico César)

FORRÓ (autor: Wladimir Mattos)

MÚSICA PERNAMBUCANA (autor: Eder "O" Rocha)

TROPICALISTA (autor: Tom Zé)

JOVEM-GUARDA (autor:  Vanusa)

A MODINHA E O LUNDU NOS SÉC. XVIII E XIX (autor: Paulo Castagna)

MÚSICA INSTRUMENTAL (autor: Nelson Aires)

CAIPIRA E SERTANEJA (autor: Paulo Freire)

MÚSICA BAIANA (autor: Tuzé de Abreu)

SAMBA (autor: Wladimir Mattos)

BOSSA-NOVA (autora: Lygia Marina)

MANGUEBEAT (autor: Junior Barreto)

 

 

Música Popular Brasileira

- A Cosmogonia de uma Árvore Genealógica -

Elisa Mori

dez/2001

 

 

 

Introdução

 

                        As últimas décadas do segundo milênio consolidaram as fusões empresariais no universo da economia globalizada. Algumas dessas fusões acabaram, na prática, gerando empreendimentos que, apesar de carregarem suas respectivas características originais, resultaram em conceitos inovadores.

                        Na música, como em todas as artes, existe a complexa situação da busca pelo equilíbrio entre aspectos culturais, artísticos e mercadológicos. E, como qualquer outra atividade social, comporta-se de acordo com seu cronotopo, acompanhando, nos últimos anos, a tendência das fusões, combinações e bifurcações.     

                        No ano de 1999, sob uma exuberante diversidade de gêneros musicais brasileiros, dei início a uma pesquisa detalhada sobre a evolução da Música Popular Brasileira - sua história, seus compositores, intérpretes e obras - para servir de base à construção da Árvore Genealógica da MPB, projeto de concepção do músico Guga Stroeter.

                        O aspecto fragmentado da fase inicial do trabalho - que consistiu, principalmente, na determinação dos gêneros musicais e na seleção dos músicos que fariam parte da Árvore - tomou uma forma e um significado contínuos em sua etapa final.

                        A visão panorâmica dessa Árvore possui significações históricas, tecnológicas,  sócio-culturais e políticas muito mais complexas do que a dificuldade da representação física de suas raízes, seu tronco principal, seus galhos laterais e bifurcações, e suas folhas, em perfeita sincronia espaço-temporal. Por outro lado, é também justo que ela seja apreciada simplesmente como uma ecológica fonte de referência sonora, cujo perfume pode resultar do prazer em identificar, dentro de seu tortuoso interior, um ídolo ou uma preferência musical.   

                        Em combinação com a diversidade de estilos musicais, foi pensado este livro que reúne, fraternalmente, convicções profissionais e pessoais tão heterogêneas quanto suas  estéticas narrativas. Lado a lado, estes sinceros depoimentos incentivam qualquer leitor atento a reavaliar suas próprias impressões sobre a prática e a teoria do universo musical brasileiro.

                        Como uma planta viva, a Árvore Genealógica da MPB está em eterno crescimento. Esse destino obriga-nos a conviver com uma obra para sempre inacabada mas, ao invés de sentirmos frustração, aceitamos essa situação como um desafio constante na tentativa de prever, entender e interpretar os rumos dessa expansão. 

                       

 

As Raízes - o alimento da heteroglossia musical

 

                        Nos primeiros momentos de nossa existência, as manifestações musicais eram já tão distintas entre si, que nem a força subjugadora do colonizador conseguiu homogeneizá-las. Dessa forma, os primeiros gêneros musicais indentificáveis como músicas populares urbanas - o lundú, a modinha, o maxixe e o choro - carregavam forte sotaque de seus ancestrais africanos, indígenas ou europeus, seja no ritmo, no canto ou nos instrumentos musicais utilizados.

                        Ao longo dos anos, os intercâmbios internos e externos expandiram as possibilidades estéticas, mas nunca conseguiram diluir a seiva original. Por isso, nas últimas décadas ouvimos tantos tambores, flautas e violas em comunhão com os mais ruidosos aparatos eletrônicos. 

 

 

O Tronco - uma cronologia de rupturas

 

                        Ascendendo pelo tronco da nossa Árvore, nos deparamos com marcos cruciais da história da música popular brasileira. Do século XVIII ao XX, alguns de nossos músicos foram, além de tudo, dublês de heróis épicos, dispendendo a sua energia criadora para a árdua tarefa de implantar o novo. Assim, contra todas as adversidades de suas respectivas épocas, demonstraram que “a única contribuição da arte é a ruptura”, e a progressão lundu - modinha - maxixe - choro - samba - baião - bossa-nova e rock, entre outros gêneros, está aí para corroborar uma das máxima do lingüista russo Mikhail Bakhtin.

                        Seja em protesto, seja em homenagem ao seu antecessor, cada um desses conceitos musicais surgiu através da consciência, da compreensão e do diálogo de um para com o outro. A associação da impulsividade latina com a consistência intelectual desse processo descontínuo determinou a formação de uma estrutura suficientemente forte para o tronco, capaz de sustentar e alimentar indefinidamente as ramificações pluristilísticas.  

 

 

Os Galhos - as padronizações culturais

 

                        Contrastando com o percurso pelo tronco, o passeio pelos galhos não oferece qualquer turbulência ao explorador da Árvore. Cada gênero musical evolui suavemente ao longo do tempo, equilibrando padronizações e individualizações.

                        Definida somente no século XX, a cultura de massa sempre existiu. Até mesmo Adorno, um dos principais teóricos da Escola de Frankfurt, reconheceu a responsabilidade da massa pela escolha daquilo que consome. Cada vez mais poderosa, a indústria cultural assegura a continuidade de uma fórmula musical eleita por essa cultura de massa. Enquanto não  atinge seu esgotamento, a padronização é responsável por um catártico prazer através de uma instantânea comunicação com o público consumidor. Paradoxalmente, esse consumidor é ávido por novidades. Essas novidades, no entanto, não devem se contrapôr ao já estabelecido. Nesse momento, entra cena a pseudo-inovação, que introduz uma alteração superficial mas mantém a estrutura do gênero musical. A música popular romântica, desde meados da década de 1940, vem “arrastanto” uma multidão de fiéis ouvintes por essa prática da “maquiagem” sem se preocupar, inclusive, em reciclar vozes e orquestrações, apenas substituindo a imagem do seu interlocutor de acordo com os padrões voláteis de beleza da época. 

                        Mesmo sem abalar a estrutura padrão, alguns músicos praticam resistência a essa imutabilidade repressora ao descobrirem a miscibilidade de gêneros e épocas musicais distintas. Um claro exemplo dessa criativa intertextualidade é a nossa música instrumental, composta de ecos do choro do século XIX, da modernidade da bossa-nova e, ainda, do cosmopolitismo do jazz norte-americano.

 

As Folhas - sob o vendaval da pós-modernidade

 

                        Tanto quanto o aumento da velocidade dos meios de locomoção, a aceleração dos meios de comunicação intensificou o intercâmbio entre as nações. Essa nova dimensão espaço-temporal passou a oferecer uma nova percepção do mundo: fronteiras geográficas, políticas e culturais tornaram-se menos distintas ou até se volatilizaram.

                        As ferramentas mais poderosas para o domínio dessa nova realidade passaram a ser os meios de comunicação de massa. Em função de sua abrangência, a TV, a Internet e a imprensa escrita foram eleitos os veículos ideais para a propagação de imagens da cultura popular que, por sua vez, passou a ditar modelos de consumo em prol da manutenção de estilos e fachadas. Não tardou para que a obra de arte também se utilizasse desse meio de divulgação, e o contato dela com a cultura popular processou-se antropofagicamente. Temos, então, que música é expressão artística que faz parte da nossa cultura popular.

                        Para o artista, manter sua expressividade em meio a esse afluxo de informações, significou tornar-se multidisciplinar, tanto conceitual, como tecnologicamente. Para a crítica especializada, a falta de uma identidade segura, obrigou-a a considerar, simultaneamente, estilos musicais até então irreconciliáveis. Para nós, construtores da Árvore Genealógica da MPB, todos os desafios enfrentados nesta etapa estiveram relacionados com o surgimento de inúmeras e imprevisíveis bifurcações de seus galhos principais.

                        Esta aparente desconstrução de estéticas anteriormente estabelecidas, faz parte, na verdade, da formação de uma nova e complexa rede sonora, onde a inexistência de uma ordem hierárquica (um tronco de sustentação) é compensada pela possibilidade de maior ousadia por parte dos criadores.

                       

 

Conclusão

 

                        Quando o homem aplicou à música a sua engenhosidade intelectual, ela deixou de ser intuitiva, ganhando status de arte. A multiplicação dessa arte através de ferramentas tecnológicas aproximou-a a objetos de consumo de massa. Simples banalização ou justa democratização, essa sucessão de eventos tornou a música brasileira um produto cultuado interna e globalmente.

                        A Árvore Genealógica da MPB une as pontas desse conhecimento, na maior parte das vezes, fragmentado. De modo que a leitura mais proveitosa da Árvore é aquela que se faz sincronicamente, ou seja, considerando-se o espaço ao invés do tempo. O que encontramos, neste caso, é muito mais do que uma polifonia; é a co-existência funcional de expressividades artísticas diversas concorrendo para a formação de um contexto.

                        Indiscutivelmente, a apreciação de uma obra de arte inicia-se de forma passiva. A contemplação imediata relaciona-se diretamente com o subconsciente do espectador. No entanto, esse prazer (ou essa repulsa) pode ser prolongado ou modificado através de uma postura crítica consciente, profissional ou amadora, e livre de rígidas teorizações.  Apesar do enorme emaranhado de gêneros musicais em que se tornou a Árvore, é possível reconhecermos em cada nova estilização a base de sua expressão sonora.

                        Tal como um movimento orgânico, a dança dos gêneros musicais obedece aos princípios de renovação, com o velho cedendo espaço ao novo. Felizmente, nem tudo se perde nessa reciclagem. A música concebida como manifestação do Belo e do ideal da liberdade oferece sua transcendência aos futuros criadores.          

                       

Quando os reis antigos deram as leis relativas aos ritos e à Música,

não procuraram satisfazer o desejo do ouvido e da vista,

porém quiseram ensinar o povo a ser justo em seus amores e ódios

e a retornar para o direito caminho humano.

[ Se-Ma Tsien ]

 

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