Poesia
De que te alimentas
Se morre assim que nasces?
Tens face?
Ou a ti mesma inventas?
Cresceste na terra?
Nas linhas dos trens?
Além da curva, atrás da porta, do avesso
Na reta?
E a essa canção torta
Morta e ressurreta
Não falo
O som do começo
Chamo a todos, ninguém
Badalo
Blen blen blen
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Nesse jardim abençoado
Ou purgatório dos bebês
Quem rega as flores desse túmulo?
Nesse poço de vertigens
Não é mesmo o cúmulo
Que mesmo sangue de mil virgens
Não aplacou a fúria
Da Rainha Colombina
Cortesã do carnaval?
E a vanguarda da bastarda
Masoquista e européia
Proto-prosopopéia
Nobre e pobre
Onde andará?
E seu templo suntuoso
Defendido pelo exército
Do filósofo pedante
Do artista imortal!
Onde estará?
Castravam crianças e velhos.
O que querem?
Penetrar nessa mente exclusiva
Escutar necessariamente
Álgebra perene e o que enxergas no fundo da lente
Poemas de ontem
Cálculos de cifras tortas
A verdade do chão do horizonte
E a mentira de grande anedota
E por que eu?
O que querem de mim
Se meu olho é duro
E meu hálito frio?
Venho de um mundo partido e vazio
Isso é tudo
Dizem que atas
Serpentes antônimas
Que juntas em equações loucas
O que Deus fez ocultar
Pois que entrem
Queremos saber das esferas
Abraçar o céu abarrotado
Cantar o corpo elétrico
E retornar ao nosso estado animado
Não sou feiticeiro
Nem quero dinheiro
Mas o carbono em estado excitado
E os papagaios
Encontraram-se
Naquela ilha sem nome
E então?
E então fizeram música
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Somos crianças
Colhendo seixos roliços
A beira de um oceano
Infinito de mistérios
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Oh! Exército de números
Nada poderá deter-nos
Nem anarquistas, nem astrólogos
Nem os cristais dos psicólogos
Não há trégua ou tragédia
E apenas dotados
De fitas e réguas
Há de se admitir:
Tudo é vazio
E esse corpo clandestino
A cada segundo é vazado
Por um neutrino ousado
Que em nada colide
E atravessa o planeta
Até o outro lado
E persiste em geral
Na grande viagem e assiste
Como pequeno bólido
A ficção de algo é sólido
Pois essa é nossa ilusão
Virtual, peculiar
Dizendo ao nosso rebanho
Que no nosso tamanho
O corpo mal é uma rede
Dispersa e ausente
Que não atravessa paredes
É suficiente?
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Ah, o barulho das águas
Ah, o calor das ilhas
Ilhas pequenas de uma única estrela
Ilhas da lua pobre
Rebelde
Do planeta que não aceita favores
Nada pede
Pois nada virá
Mas virão sonhos
Pra se dizer
Como ilhas
Sonhos de pedras
Que se deitam
Como gatos
Como ilhas
Lá vamos nós, procurar
Aquele que existiu
Zarpou num navio
Numa caravela
Azul e amarela
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Consultemos o ser
Do silêncio desgraçado
Que mesmo errado
Nos condena
Com sua face obscena
E ironia pura
O amor que sentimos por ele
É mera loucura
É uma essência de forma incorreta
O anjo que caiu do alto
Ereto;
Um soldado sem vitória
Um marinheiro naufragado
Conquistadores solitários do resto
Meu sangue está em suas
Veias
Feias
Entre homens, mulheres e a multidão
Recolho-me secretamente
Nessa esfera de sinais divinos
De fogo elétrico
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Estou repleto da vida compacta, visível
Sempre vivo, sempre à frente
Desesperado, orgulhoso, vibrante
Quando vejo que surgem as formas
Os arcos, as pontes
Todos os seres fluem para sempre
A fúria, os elementos
A dissolução aparente
De pensamentos conscientes e submersos
Infinitas combinações celestes
A divina forma da terra e do verso eu observo
Seus triunfos reservados para a gente comum
Nos poemas, nas ruas, nas artes
O esplendor da tarde profética
Resumindo o passado
Inflando meu pulmão, a vida natural
Vejo a perfeição com os olhos da alma
É ilustre o mistério do movimento dos seres
É ilustre o atributo do corpo, da fala
Do eterno retorno das estações
É maravilhoso partir
É maravilhoso chegar
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Há de se comemorar
As nuvens que passam sobre nossas cabeças
A sabedoria da velhice
As gargalhadas juvenis
A beleza suprema da morte
Meu corpo é tudo
E todas as águas são vivas
Cada partícula subatômica é maravilhosa
A natureza prossegue
A glória prossegue
Pois não há imperfeição no universo
Lamentar jamais
Não tenho casas, nem terras
Não tenho ouro, nem pedras preciosas
O perfume da relva úmida e matinal
Íntima e milenar, o ar, o solo
Sou o piloto de um sonho
Tateando numa ilha perdida
A névoa grossa como leite
Que se corta com a faca de infinitos dentes
Quero comprimir meu corpo
Contra tudo o que é belo
Contra a verdade da terra e das coisas
E abraçar as mudanças e as metamorfoses
Quero envelhecer
Com minhas companheiras estátuas
Os pais vivos com seus filhos
A maravilha do céu imenso
Quero bater asas
Ao lado da mãe velha infinita
Que reina no quadrante escuro
Do sol que já se pôs
Nesse horizonte sem nome
Indizível
(Que ousadia retratar o indizível!)
E antes de nós, nossas mães
O tempo quando não éramos nascidos
E vejo os mortos e moribundos.
Morrerei
O projeto de um ser humano
Seu coração complexo
A terra fria que nos abraça
E meu pensamento, onde estou?
Na caverna? No cuidado?
Nas incontáveis fileiras de homens
De almas infantis
Construindo nomes anônimos
E um labirinto de mundos sem saída!
Como uma rima poderia dizê-lo?
Jamais!
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Nessa noite doce e transparente
Para quê desconfiar?
Penso no tempo, nas eras
E o futuro que nada será para mim
Datas nas tumbas, o sol nascendo
Ninguém é nada
Um fantasma ensinou-me
A andar na praia deserta e escura
Sou um homem ocupado
Com a majestade da beleza do mundo
Sem limites
Olho o que alguém olha
Eu olho alguém que me olha olhando
Estou dentro de algo que está dentro de algo
Ouço vozes de alegria infantil
Vejo a pequena aranha paciente
Sua teia, seus delicados fios
Atando distintos espaços
Algumas horas de paz e repouso
Aparição de espíritos? De versos?
Não! Aparição de coisas sólidas!
Como estátuas
Como a natureza verde e dourada
Como o som do fluxo da água na torneira
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Ilhas no céu, na terra girando e girando
Seus gestos generosos
A terra não discute
Eu grito:
Temos frutas! As milagrosas, as suculentas frutas!
Tua caminhada silenciosa na
Meia noite transparente
Raízes retorcidas desta velha árvore
Formas mistas
Não tenho armas
Apenas mensagens
Mais uma vez, a natureza inteira,
Acima do chão
Não há inferno
Há um corte
Não haverá minha segunda vida
A vida renasce no estudante
No pobre
Eu não sou apenas a terra
Não sou apenas a criança no berço
Ouçam meu canto
Não fechem a porta
Compartilhemos um projeto
Nós aqui presentes
E os filósofos mortos, ainda quentes
Nesse templo de abóboda colossal
De grandes portas dilatadas
Repletas de gente comum
Estou vibrando e tremendo
Reconciliação!
Seus lábios, minha face
A ternura, os líquidos
Para mim,
Eternamente juntos
E quem sou eu?
Um pedaço
Um desdobramento
Não sou um grande livro
E sigo feliz e inexpressivo
Via Láctea pulsante
De incontáveis canções
Adão e Eva
Imagens desse dia singular
Somos exploradores, trabalhadores
Cercados de dúvidas
Serei eu mesmo, um dia, um fantasma?
Sei que as horas seguem
Sei que ninguém está exausto
Além dos signos, das descrições, das
linguagens
As nuvens que se fecham
E eu ouço a voz da chuva
Estamos radiantes
Conversando intimidades
Nessa rua deserta
Onde imperam as leis
Breves como bolhas
Em nossas existências infinitas.
-Quero morrer para que meus pensamentos ganhem nomes.
-Quero morrer porque gosto de canções sem sentido.
-Quero morrer como os amores que a passos silenciosos afastaram-se de mim.
- Será possível que uma criança queira me ensinar alguma
coisa?
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Ouço a voz do pássaro preto
O canto de um irmão selvagem
Seu retrato na parede
Num cenário inconsciente
Inclemente, paradisíaco
Levanto-me
Compactar
Comprimir
Expandir
Explodir
Dois suspiros conduzidos
Por tudo o que se move
Vida pequena, envergonhada
Ferida pela seta envenenada
Torno-me errante
Pelos mundos inferiores
Os lamentos da agonia
A criança chora, convulsivamente
Só, na mata escura
Será a terra assim tão grande?
Depois em casa adormece
Onda do mar da paz
Bate e o dia nasce
Alegre, radiante
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A tempestade se anuncia
O céu está atormentado
Da terra não há quem cuide!
O mundo está abandonado!
Devemos antecipar os milênios
Devemos misturar gases e líquidos
Devemos postergar os orgasmos
Lembremo-nos da intuição das mulheres
Lembremo-nos das danças ao redor do fogo
Lembremo-nos que tudo recuará
Lembremo-nos das superstições
Ouço doutrinas suaves
Vejo o sopro invisíveis que move os pratos da balança
E ali está a palavra e o juiz
Mais um minuto, uma gota gelada
E vem a centelha da lógica
O brilho do fórceps
O aperto das unhas e lábios
O corpo dos homens e seus nove satélites
Eclipses de todas as cores
Eu provo e são doces
Eu engulo, estou aqui
Quem é esse selvagem
Que nada espera da civilização?
Que desconhece a crucificação
Que me segue, sempre nu
Pelas veredas da cidade?
Quem é esse monstro sempre nu
Que observa cada palmo da minha vida?
Que me comprime a boca
Que é uma mancha vermelha
Que chama meu nome e eu não vejo?
Alguém me dirá antes que eu parta
Balanço minha cabeça
É esse o turbilhão nu
Que habita o teto do mundo
Sou igualmente intraduzível
Estudei mentes e memórias
Os dias felizes achatados pela ampliação assombrosa
Dos campos abertos
Banhei-me nu nas provas secretas
Há alguém diferente aqui
Que busca algo e jamais desiste
Tem mãos grandes e gestos silenciosos
Atravessa a rua, me beija e desaparece
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Pessoa estranha, transeunte, passageira
Penso em você quando acordo só
Sem regras, sem argumentos
Sem a rudeza do corpo, da lei
Fecho os olhos, vejo a beleza
Um lago sinuoso, vejo alianças
Tribos de nômades, reis depostos
Aprendi a sentar-me na mesa com todos eles
E contar-lhe as melodias do meu sonho
Confessei cenas efêmeras
Retrospectos, viagens
A nevoa vaga, pálida, viva e morta
Coisas sólidas são aparições
E eu desço aos impulsos
A forma de um fantasma de mil anos
Que se contorce, centrífugo
E eu falo com ele
Não quero respostas dos oráculos
Nem os fetiches fálicos
Nem a histeria dos tambores
Há o céu, há uma porta
E agora móveis, louças, talheres
E esse grande livro impresso, a quem pertence?
Confronto-me com tudo
Não tenho significado, nem eles
Já vi uma alma de poeta flutuando
E eu não sou nem tão real nem tão volátil quanto
ela
O que são?
Uma exceção? Um tecido que tudo encobre?
Não posso mais esperar
E em conformidade com o centro da terra
A alma insatisfeita, incrédula
Certamente encaminham-me para algum lugar
Somos completos e perfeitos
Sabemos compor canções livres
E o mundo subordina-se a um poder inédito
Flutuamos sobre enormes ondas
Temos o olhar tranqüilo
Estamos no comando
Posso tocar com meus dedos
Essa é a extinção dos sacerdotes
E das mentes cobertas de tumulto e caos
Sou um músculo, sou uma locomotiva
As distancias não resistem
Somos capazes de emitir torrentes
De paciência, de harmonia
Fluxos contínuos de consciência, de persistência
Volto a terra onde nasci
Absorvo o cenário supremo
A santa ceia nesse amplo espaço
Sombreado de raios do sorriso divino
O gosto rude do sangue
Não há tempo a perder
São incontáveis as adorações
Os hinos obscenos
Os mares de Deus
As ilhas selvagens
As gotas espontâneas
Da chuva sobre minha cabeça
Não terei outra vida
Não terei outra terra
Vamos descartar protocolos e cerimônias
Andar lado a lado e enfrentar inimigos
Vamos chorar
Vamos falar da morte
Estapeie meu rosto! Sem dó!
Os majestosos batimentos cardíacos
O movimento dos olhos
Assumem sabores indeterminados
O mar, a terra firme
Nossa exploração íntima
O prefácio do gênio expressivo
Ataque aos vestígios
As articulações da retitude
Da contemplação, dos gigantes
Da hospitalidade, da atmosfera
A química, a economia
A prostituição, o apetite
A transfiguração, a similitude
A resposta dos humildes
A satisfação da alma
A arquitetura, os costumes
As mães, as crianças
Os reflexos, os ecos, os ecos, os ecos e suas pedras
Os materiais perenes
Os campos, os rios
As montanhas e os oceanos
O mar interestelar
Danado, maldito, desgraçado
Entre os dentes separados, partidos
A transpiração
A terra está úmida e fria
O olho é eterno
Meus primeiros pelos de barba
O cavalo
A canção escoa pelo ralo
Que bom!
Os mortos estão em algum lugar
Passam bem
Nada colapsa
Nascer é sorte?
Estou soprando
Punhado farto de beleza
Sou um convidado
Assim como você
Ouço aos outros
Ouço a todos
Inalo
O engenheiro chegou
É uma semente verde!
Se preservado como fóssil
Serei passível de ter meu declínio gradual
Depositado pra sempre no fundo da bacia oceânica
Foi quando conheci o mestre bravo
Foi quando conheci o velho sábio
A sombra infantil
E a cruz de braços iguais
Tornei-me uma evidência paleontológica
Há um argumento irrepreensível
A continuidade falhou
E segui em direção
Ao apogeu do terceiro estágio
Saberão que aprendi o objeto
No quarto mês de minha existência
Os agentes da realidade
As regiões do corpo
As propriedades da quantidade
Saberão que ouvi sinfonias
O canto monótono dos derviches
Um, dois, três
A valsa
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Eu os recebo em minha casa
Estendo minhas mãos
Acredito nos anseios do homem, no desejo das mulheres
Destranco ferrolhos, abro as portas
Beijo suas faces
Reclino-me
Ocupo-me de pensar em nossas vidas
Vejo sua forma nas bandeiras retorcidas ao vento
Um olhar inesquecível
Sinto cheiros
E desisto de meu canto triunfalista
Quem é a querida?
Quem é a criança?
Quem quer que eu componha rimas doces?
Estou apavorado por conta de palavras convulsivas
Sou atormentado e atormento os outros
Resumo e confesso:
A experiência não me ensina
E o que chamam de inferno não me assusta
Vejo o totem, a escultura
A imagem mineral à minha frente
Torres azuis e douradas
De fábulas
Todos somos monumentos
Cruzo pessoas pitorescas
Entupi meu cérebro com o mundo das paisagens modernas
Lições que aprendi...
Dos objetos que manipulei e entendi...
Meus pulmões turbulentos...
Eu tenho qualidades
De governante
Qualidades de fantasma
De homem velho
De revolucionário
Nada tenho de profeta
Mas sou libertador
Meus antecessores, eu os venero
Chocaram-se contra muralhas
São heróis, são precursores
Mas sou eu quem aguarda ativamente
O momento de combater
A ambição dos ineptos, dos imorais
Vingarei os mortos
Sou sensível no lamento de meus irmãos
Há que dar vida do moribundo
Sem acreditar em utopias
Livremo-nos do supérfluo
Dos clérigos sacrílegos vendidos
A mão de ferro pesará sobre o inimigo
Serei protetor, como um pai
Sei que a realidade existe
A solidão da montanha habitada
Tem a fumaça dos caminhões decrépitos
Que sobem a ladeira
Dentro do meu quarto
E atravessam minha cabeça
Crânio, crânio, crânio
O que vim fazer aqui?
Porque a respiração curta?
Porque meus ombros se enrugam
E comprimem a carótida?
Por que não morrer?
Atravessei treze vales
Sete batalhas contra ninguém
Espaços repletos de mobília e teorias
Vi o mundo novo que acolhe velhos poetas
Nos conventos, nas galerias
Nada além de auto retratos
Sou o senso comum
Aprendi que a religião é distinta do que me ensinaram
Aprendi que a democracia não é o que apregoam
Distante, muito distante
O passado recente é um sonho longínquo
Nas treze montanhas habitadas
Pela fumaça dos sete caminhões
Repletos de teorias decrépitas
Há alguém aí?
Algo está aqui
Não chore, criança
O céu pulverizado de estrelas
Amanhã as plêiades retornarão
Há também o mundo abissal
Florestas submersas
Repletas de arvores e flores coloridas
Repletas de maravilhas e de guerras
Respiro dentro d'água
À tona, barcos com bandeiras coloridas
Temporais territoriais, incompreensíveis
Aqui, a explosão extravagante
Das formas barrocas de vida
Estou num bar de esquina
No fundo do mar
Tomo uma dose de ar
E comemoro os personagens locais
O peixe bêbado, mendigo
O crustáceo de bigodes
Eu mesmo
O chão volátil
Amigos sem pés, vivendo em suspensão
O lilás, o amarelo
Fluorescentes
No fundo, o azul inacreditável
De nada me servem minhas mãos
Tampouco meus ouvidos
Abandonem-me padrões!
Abaixo as certezas!
Quero água
A água molhada de milhões de anos
A água liquida, a água que não está nos livros
Interrompo meu canto
Abandono a melodia e me despeço
Como serão as coisas quando eu me calar?
Faísca
O som da palavra faísca
O grito elétrico
O assovio das correntes
E seu eco rítmico, harmônico
Sou eu
Na esquina
No fundo do mar
Atrás da cortina do palco
Aos nove anos de idade
No corredor da escola
Em frente à porta da sala de aula
Enviei um recado para eu mesmo
Esta noite
Num sonho impreciso
Recebi o correio
Daquela pessoa estranha, temerária, irreconhecível
Uma queixa, uma cobrança
Uma desmisturação
Ora, criança, não te respeito
Além do mínimo
Somos eu e você, a mesma insignificância
A mesma ficção egocentrada, insuficiente
Nossas mães, seus seios
Nos ensinaram o contrário
Mas nos tornamos isso
Sou apenas isso
Quem é o autor insuspeito
Acima das circunstâncias?
Porque esqueceram de mim?
Fui dormir
Adormecido estou
Para todos os objetos
E rememoro eras
Aquém dos mamíferos
Nada é mais antigo do que
Minha mãe
Os seios de minha mãe
Os seios da capela
Os seios
O leite
Pequena gata
Como pode haver
Um ser que se mova
Com tamanha harmonia cósmica?
Transforma-me em almofada
Glória aos famélicos nos becos escuros
Será o tempo alto?
Gordo, largo ou comprido?
É meu corpo automático
É a previsibilidade
Hoje é amanhã velho, morto
Fui feito criança
Veio a barba, o espelho
Sou horroroso
Disforme
Pernas curvas
Pelos no peito
Braços finos
Barriga obscena
Quando fiz mergulhar
No poço
No desejo
Mal sabia
Quem conduzia
Nada
Sem fundo assustador
Olá Narciso: assim não se faz
Olá pneu velho
Olá garrafa de plástico
Olá riacho como é
----------------------------------------------
Por que você
E a beleza desse capinzal caótico e esquecido
Não se deitam com minhas palavras
Abraçados
Misturados para sempre,
Para todo o sempre?
Venham!
Entrem!
Eu imploro!
Está na hora!
Tenho sono e
Quero fechar o caderno!
Nunca seremos destruídos
Temos palavras e canções
Instrumentos latentes
Mares porque imensos
Rios porque seguem
Porém, mais belos são os lagos
Doces
Atenção! Silêncio!
Um rapto!
Essas crianças tornar-se-ão soldados
Armados até os dentes
Limparão seus rifles
Sentados sobre a pedra irregular
O sol morno
O assovio
Hoje encontrei no solo
Um pequeno ovo desgarrado
Cheio
De uma pequena ave
Meus olhos são fixos
Ela torceria o pescoço emplumado
Para me compreender
O tempo trabalha sobre os homens e mulheres
O jovem rebelde
Rival
Briga e escreve poesia
Torna-se amante, piloto, presidiário
Neste lago não há aquele grande navio branco
Que surge no horizonte
E nos assusta sempre mais uma vez
Com a beleza virgem de seu tamanho descomunal
Escandalosamente branco
Como um deus
É necessário ter corpo
Para sentir esses aromas
E agora, essa pintura feia
De um casebre condenado à humildade burra
Só
Num campo de espátula grosseira
De um verde repulsivo
Vamos prender a respiração e saltar!
Agora caímos, chegamos com nossos pés nus
Nossos artelhos símios
Numa terra sem nome
Haverá malícia por aqui?
--------------------------------------------------------
Atenção
Atenção
Eva e
Adão não
Não
Metaforicamente
Menos ainda
Não
Cidadão anônimo
Cidadão anônimo
pais casais
seus quatro antepastados
dezesseis fotos
Trinta e duas almas peladas
Sessenta e quatro ramos de oliveira
cento e vinte e oito orbitas impreciosas
trezentos e cinquenta e tantos ecos
É imenso
É imenso
Todos devem descansar
Companheiro
Chega
Passa o dia, passa o mês
Sem engano
Pequeno
Acontecerá novamente
No meio dos seus amores
Passa um rio
Não se vêem suas margens
Nem a prata decantada
Não há água
Nem volume
Estende-se pelas eras
Bifurca-se
E tudo que nele escorre
Jamais uma vez mais
Se reencontra
Adeus
O carbono 12 no estado excitado
O carbono 12 no estado excitado
os operários da alma,
um grande volume
e os marinheiros de Cabral
que remavam o primeiro bote
que tocou as areias da Bahia,
encontraram-se num apartamento vazio,
com o chão de madeira respingado de tinta
alguns centímetros abaixo da linha do horizonte,
bem aqui,
fizeram música
O herói premiado
O herói premiado
Debruçou-se na janela
A rua avermelhada
Será beijado por outros heróis
Marcará
Aliás, suas costas nuas e
Escuras
O sorriso do golfinho
Vitrais
Vitrais por todos os lados
O herói transparente move-se
Reflete
Brilha no
Céu riscado
Traçado, coerente, exato
Para o herói vermelho
Marcado
Espuma
seus espelhos
O mundo suspenso automaticamente
Em órbita na matéria escura
Orbitas e espumas
Órbitas distintas e mais
Espuma
Foi-se a rua avermelhada
E a luz inclinada dos
vitrais
O herói elástico subiu
Tudo subiu
Todos desapareceram
E os cálculos indicam
Que uma singularidade
Brotou na superfície
Acreditava ser a primeira e única
Entenderão o Universo
Seis palavras
Seis palavras
Desperdiçadas
Abandonadas
mentirosas
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