Arrigo Barnabé
Por Guga Stroeter
Para: Lilian Amarante/ IstoÉ Gente
São Paulo 07.11.99
Arrigo Barnabé lança este mês o seu CD Clara Crocodilo, gravado ao vivo, contendo novos arranjos para as canções que o tornaram conhecido e que, em suas palavras, apontam para a música do século XXI. O surgimento de Arrigo no cenário da MPB, em 1978, foi comemorado como o vetor de uma nova geração criativa e redentora, que levaria a estrutura da canção popular brasileira um degrau adiante em sua evolução inteligente.
Pois Arrigo conseguira fundir o rigor da composição erudita ao rockn roll, às estórias em quadrinhos, à crônica da urbanidade. Mais do que isso, a juventude aprendia o dodecafonismo de Schöenberg e Stravinsky num formato radiofônico. Um sonho! Um lindo sonho, pois vislumbrou-se a oportunidade da incorporação orgânica de procedimentos restritos à erudição e à vanguarda no cotidiano da sociedade. Nos anos 50, o samba bebeu do cool jazz da Costa Oeste americana, do romantismo de Chopin, e do impressionismo de Debussy, e tivemos a Bossa Nova. Esta, portanto, continha a evolução da música de concerto do século XIX, e soava genial e inédita, injetando informação na alma boa do povo brasileiro.
Quando Arrigo realizou os primeiros concertos com o repertório de Clara Crocodilo, criou-se a fantasia de que o espírito brasileiro estava apto a digerir, em grande escala, uma nova ordem, que nos sintonizaria com a liberdade da audição criativa. Sim, pois o sucesso de uma música criativa pressupõe a existência de ouvintes criativos. Algumas vezes,Arrigo foi vaiado. Num festival organizado por uma emissora de TV, ao cantar Sabor de Veneno, a platéia, enfurecida, vociferava: sabor de merda!. Este era um bom sintoma, pois Caetano havia sido patrulhado com a mesma imbecilidade nos anos 60. Tudo parecia apontar na direção de que o caminho desbravado por Arrigo subverteria o conservadorismo da cultura de massa emergente. Doce ilusão.
A inflação aumentou, o primitivo jabá das
rádios profissionalizou-se, e o Fantástico proclamou
o conjunto Blitz como a verdadeira novidade estética da
década. Deu no que deu. Ninguém tem culpa, pois a história
é um processo inclemente, e todos participamos com a mesma parcela
de responsabilidade.Mas, enfim, Clara Crocodilo merece ser ouvido
com atenção. Sem saudosismos, sem rancores, mas com a ternura
que merece toda a obra criada no raro terreno da autenticidade, onde habita
nossa vã, minúscula e ridícula eternidade.
© 2002, Guga Stroeter
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