HOMOSSEXUALISMO E CRIATIVIDADE

Por Guga Stroeter

A revista GLS Somos convidou Guga Stroeter para escrever uma coluna mensal, com tema livre. Essa é sua primeira contribuição para essa publicação.

O ser humano é condenado a buscar explicações para si mesmo, e a evolução da história já forneceu diversas modalidades de pensamento para sondar os mistérios da alma. Nesses milênios povoados pela civilização ocidental, prevaleceram os dogmas da religião e uns tantos outros arremedos místicos. No final do século passado Freud nos brindou com a psicanálise e hoje vivemos semanas férteis em genomas. Paralelamente à psicologia, novos aventureiros misturam pitadas da etologia com noções de neurologia, tudo isso dentro de um caldeirão que podemos chamar de semiótica da cultura. Idéias vão e vem, mas as perguntas tendem a repetir-se. Uma das questões recorrentes indaga uma explicação para o fato da existência de tantos homossexuais proeminentes no mundo das artes, desde a Mesopotâmia até nossos dias. Exemplos não faltam: de Ésquilo a Leonardo da Vinci, de Walt Whitman a W.H. Auden, de Safo a Gertrude Stein, o desenvolvimento da estética muitas vezes tomou novos rumos à partir da contribuição de homossexuais célebres . Então vamos lá, e comecemos relacionando consciência e sobrevivência. O que é consciência? Bem, talvez estejamos nos referindo a propriocepção, ou seja esta sensação de que nós somos nós mesmos, de que estamos vivos e que vivemos o presente. Esta situação habitual é mantida pelos sentidos, sempre muito preocupados em buscar alimento e fugir dos predadores. Pois o paladar originalmente servia para avisar ao indivíduo que algo poderia estar podre, e que comida podre mata. A audição sempre nos antecipa a aproximação de algo, e os olhos e o olfato nos apontam a posição exata da presa. Somos bombardeados ininterruptamente por milhões de estímulos e o que chamamos de consciência é o resultado final de um complexo sistema de filtragens para que a nossa atenção concentre-se nas necessidades básicas da luta pela vida. E para onde vão todas as sensações e idéias que não utilizamos imediatamente? Certamente, muitas são deletadas outras nos atormentam e outras ainda passeiam por nosso cérebro e emergem na forma de alucinações, devaneios e sonhos. E esse mundo imaginário é a farinha à partir da qual o artista faz o seu pão. Não é místico, não é à toa que em muitas tribos a música é sonhada, e que fórmulas matemáticas e invenções geniais foram paridas naquele momento em que o indivíduo não sabe se está dormindo ou acordado. Nesses humores e nos estados alterados de consciência temos o relaxamento da tensão específica e então podemos viver uma série de conteúdos represados. Somando-se à necessidade caça e fuga, a sociedade criou estereótipos de macho e fêmea, cada um subordinado a padrões rígidos que garantem estranhamento e reprodução. Esta rigidez do mundo masculino e feminino só é possível com o indivíduo cujas fronteiras interiores são muito definidas, e este mesmo padrão de repressão vale para impedir que os conteúdos difusos tenham preponderância sobre os papéis sociais a se cumprir. Por isso o machão fálico-narcisista e a fêmea submissa tendem a revelar pouca atividade criativa. O homossexual por sua vez, transita entre o masculino e o feminino da mesma forma que admite uma complacência maior entre a vigília e o que grosseiramente agora nomeamos de inconsciente. Assim no rebaixamento da repressão surge o artista, o Xamã. Pois é das periferias da cultura que o status quo oficial se alimenta. É à partir dos sonhos que a realidade pode ganhar novas dimensões concretas. Essa explicação toda é em verdade, uma verdade? Eu diria que não, mas não deixa de nos remeter algumas idéias interessantes...

© 2002, Guga Stroeter All rights reserved.
Unauthorized duplication prohibited.

[Menu] [Agenda] [Release] [Curricullum] [Videos] [Photos] [Shows]
[Guga & Heartbreakers] [HB Tronix] [Nouvelle] [Discography] [Music Scores]
[Cultural Spaces and Night Clubs] [Texts] [Contact] [E-mail] [Orkut] [MySpace]