MAMONAS ASSASSINAS

Por Guga Stroeter

O grupo de humor e rock and roll Mamonas Assassinas estava no auge da carreira quando o pequeno avião em que viajavam chocou-se contra uma colina, causando a morte dos jovens músicos e dos tripulantes. A Folha de São Paulo solicitou a Guga Stroeter uma matéria sobre essa tragédia que comoveu todo o Brasil.

Eu debutava como turista em Paris, quando a octogenária Madame Hovelaque, proprietária do prédio, bateu desesperada à minha porta. Ela vinha debulhada em lágrimas, afogada num choro histérico e repetindo compulsivamente frases em francês, idioma que desconheço por completo, minha companheira traduziu as palavras que entremeavam os soluços agônicos: -mataram três mil crianças no Brasil!!! Mais que depressa saquei o telefone; a voz que me atendeu em São Paulo transbordava aquela alegria tropical peculiar da nossa alma deitada prazerosa e eternamente em berço esplêndido e o bonachão bandeirante disse sorrindo: - Oh não!! Mataram sim meia dúzia de crianças de rua, covardemente, no Rio de Janeiro, na Candelária. Esse número, três mil, deve ser alguma estatística anual de uma dessas entidades de direitos humanos. E tem mais: a imprensa está faturando barbaridade com isso, enquanto o silêncio da opinião pública parece aprovar o massacre, como se fosse um procedimento de justiça preventiva... Você sabe como é, como são as coisas por aqui...

Essa é apenas uma sugestão para divagações e reflexões ulteriores a respeito da condição da criança no Brasil.

Como explicar a chacina? E como explicar a Xuxa? Sim, a rainha-deusa dos baixinhos, a entidade mais unanimemente amada pelas crianças do Brasil chegou ao estrelato como atriz pornô, e culminou seu talento inato num longa-metragem onde afirmava em caráter definitivo seu amor incondicional à infância, pois praticava todas as modalidades de sexo com um pré-adolescente impúbere.

Se o conceito contemporâneo de civilizações ainda incorpora algumas formulações freudianas, deveríamos concluir que o Brasil ainda não decolou do estágio de "horda primeva" pois a civilização visa reprimir a satisfação instintual imediata em prol de uma suposta sublimação que evolui na forma de uma ordenação jurídica, na constituição de um código moral interno e comum, e da representação das abstrações estéticas das artes em geral. Mas moramos num país que ainda flerta com a monarquia e que entrega extasiada a educação de seus pimpolhos a uma nobreza simbólica protagonizada por uma rainha promiscua e incestuosa e pelo fantasma de um rei homicida convicto.

Todo esse raciocínio desenvolvido até o momento é apenas uma vereda perimetral para abordar o verdadeiro assunto desse artigo, ou seja, a carreira meteórica de nossos queridos Mamonas Assassinas.

Hospedei recentemente um catedrático, professor da Universidade da Califórnia que aprendeu nos anos 70 a apreciar Caetano, Chico, Gil, Milton.

Sabendo-me músico e curioso por notícias da terrinha, perguntou sobre novidades dessa nossa música popular, reconhecida unanimemente como uma das manifestações artísticas mais relevanes do século XX em todo planeta.

Antes da resposta, meu pequeno sobrinho, um nenê de dois anos de idade, que ainda não consegue sequer balbuciar, cantou com a ênfase de um Pavarotti a música dos Mamonas que trata da suruba do português. Eu traduzi a letra desta e de outras das canções para o boquiaberto ianque, incluindo as referências explícitas ao sexo grupal, ao sado-masoquismo e a zoofilia. E tem mais! O pequerrucho prosseguiu a audição orgulhoso, agora com o "Melo do sabão cracrá", aquela que não deixa os cabelos do "sapo" enrolar. Sim, meu sobrinho alucinado acabava de inventar uma nova e monstruosa espécie de batráquio, ou seja, o sapo cabeludo.

A conclusão desse artigo é sucinta. Nossas crianças, que eram filhas da Xuxa, hoje são mamonetes. Eu, pessoalmente, gosto dos Mamonas. São alegres, são alto astral. E também porque como brasileiro sou pervertido e me divirto como um canalha ao ouvir um lactante, um bebezinho de chupeta na boca falando um monte de putaria.

Que país é esse? Geme a indiguinação do ator canastrão. "Esse não é um país sério" sentenciou De Gaulle.

Nosso privilégio é viver num lugar onde o sucesso das rádios e dos cursos da pré-escola pregam a devassidão e a degenerescência, enquanto o brasileiro mais ascendente e bem sucedido do mundo, nesse momento é o poderoso escroque, o cambista do paraíso Edir Macedo...

De vola às crianças, de volta à psicologia, de volta à ciência. Lembremos que o gênio de Sigmund Freud foi em grande parte renegado pela comunidade intelectual européia do princípio de século XX, ainda imersa no espesso manto da moralidade vitoriana. Quem sabe os Mamonas Assassinas foram uma encomenda psicografada do pai da psicanálise, um último recurso kamikaze lançado pelo autor de "O mal estar da civilização" num mundo onde proliferam lexotans, prozacs e melatoninas?

Uma CPI dos Mamonas talvez descobrisse que o quinteto de Guarulhos é subsidiado por verbas do Departamento Secreto da Sociedade Internacional de Psicanálise, sediada em Viena, com um único e simples propósito: confirmar a definição de Freud para criança. Hoje mais do que nunca a criança é um "polimorfo perverso".

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